“Vós sois justo, Senhor, e justa é a vossa
sentença; tratai o vosso servo segundo a vossa misericórdia.” (Sl
118,137-124)
Meus queridos irmãos e minhas queridas irmãs, neste domingo,
a Sagrada Liturgia nos convida a refletir sobre a fé e as suas etapas em nossa
caminhada de salvação. O Evangelho de
São Marcos (Mc 7,31-37) relata-nos a cura que ocorre em terras pagãs, do
surdo-mudo. Com isso, o evangelista quer nos ensinar que os pagãos são chamados
à fé e à comunhão com Deus. Curar um surdo e um mudo era um grande milagre, o
que demonstrava que Jesus era o Messias.
Ante o prodígio, o povo, pasmo, elogiava as atitudes daquele
que dava sinais de seu messianismo. Mas, na linguagem moderna, a moral do
relato evangélico de hoje, traduz que todos nós somos convidados a abrir os
ouvidos para escutar “as palavras de espírito e vida” do Divino Mestre e
proclamar essas maravilhas por todas as partes, entre todos os povos,
vivenciando a beleza da mensagem do Senhor Ressuscitado, vivendo-a
intensamente.
Ouvir e proclamar significa, de início, colocar em prática
aquilo que queremos anunciar aos nossos irmãos. A fé tem um caminho muito
importante. Mas, primeiro, nós temos que crer. É crendo que poderemos dar
testemunho. Crendo, vivenciaremos aquilo que cremos, ou seja, os Santos
Evangelhos, transmitidos pelos apóstolos e iluminados pela Tradição da Santa
Igreja. A partir do crer, do viver, transmitiremos, então, a fé que recebemos e
vivenciamos. Não transmitir apenas com o anúncio, mas, sobretudo, com a
vivência, com o testemunho de fé.
Assim, todos somos convidados a comunicar as maravilhas de
Deus diante da comunidade eclesial e dos não crentes. Hoje, como ontem, os que
se fazem surdos-mudos na sociedade são bem mais numerosos do que os que nascem
deficientes.
Irmãos e irmãs, as cidades por onde o Evangelho de hoje nos
anuncia, Tiro e Sidônia, são consideradas comunidades pagãs. Jesus hoje se
encontra no meio de pagãos. Ele estava longe e em lugar de comércio abundante,
onde os judeus e os pagãos dominavam as suas gentes. No meio de um povo
incrédulo, o Divino Mestre cura um surdo, uma manifestação inequívoca de que
era o Messias.
A primeira Leitura de
hoje, retirada de Isaías (35,4-7), escrita há 750 anos antes do tempo de
Jesus, relembra que a cura de surdos e de mudos faz parte do tempo messiânico.
E, para reforçar a nota, o povo exclama: “Ele fez tudo bem feito”, vislumbrando
a obra messiânica da restauração do paraíso. Lembra a liturgia como Deus “fez
tudo bem” desde o início, conforme já observara o escritor sagrado em Gênesis
(1,31s.). O próprio Jesus dá esses milagres como sinal a João Batista de que
era o Messias. Marcos é o único Evangelista a contar a cura do surdo-mudo. O
deserto desolado e estéril, que os exilados terão de atravessar na caminhada de
regresso à sua terra, transformar-se-á numa terra fértil, com água em
abundância e onde o Povo não terá dificuldade em saciar a sua fome e a sua
sede. A abundância de água no deserto, de que o profeta fala, é outra imagem
para mostrar a vontade de Deus em cumular o seu Povo de vida plena e abundante.
A marcha do Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade será um novo
êxodo, onde se repetirão as maravilhas operadas pelo Deus libertador aquando do
primeiro êxodo; no entanto, este segundo êxodo será ainda mais grandioso,
quanto à manifestação e à ação de Deus. Será uma peregrinação festiva, uma
procissão solene, feita na alegria e na festa.
Caros irmãos, Jesus poderia ter operada essa cura em
silêncio. Entretanto, sabendo que se tratava de um pagão, não podendo ouvir a
Sua palavra, necessitava de gestos visíveis para compreender que estava sendo
curado por uma força superior, uma graça de Deus. Usando a saliva, como em
todos os povos, Jesus utilizava-se de um sentido terapêutico. Tocando a saliva
com a mão Ele transmite a graça de Deus. Por isso, a Igreja Santa conservou no
ritual do Batismo esse gesto da cura do surdo-mudo, no momento em que o Batismo
abre no catecúmeno os ouvidos para escutar a Palavra de Deus e para que seja
solta a sua língua, para proclamar a bondade infinita de Deus, nosso Criador e
Senhor.
Entretanto, seria bom notar que Jesus retirou-se para o lado
com o surdo-mudo, para que a multidão não o confundisse com os muitos
curandeiros de então. Nesse episódio, observa-se, ainda, os gestos de súplica e
de reverência que dirige ao Pai: “eleva os olhos para o céu”, como fizera na
multiplicação dos pães para demonstrar que todo o seu poder vinha do Pai que
está nos céus e é a origem de todos os bens.
Irmãos e irmãs, todos nós, mesmo que batizados, trazemos
sempre um pouco de surdo-mudo, quando não sabemos ligar as realidades terrenas
a Deus, sumo bem e fonte de toda a vida.
O curado abriu primeiro os ouvidos para ouvir a Palavra de
Deus, e depois começou a falar para dar testemunho das maravilhas do Senhor.
Assim deve ser a nossa vida de fé: ouvir com entusiasmo os mistérios da
salvação, colocando-os em prática em nossa vida, para depois dar testemunho do
que acreditamos.
A grande novidade do Evangelho de hoje é que a religião
serve para o bem de todos, eliminando exploração e discriminação, conforme nos
ensina a segunda leitura. Para dar chances a uma ordem melhor, provoca até
revoluções, se as estruturas que estão vigendo produzem desigualdades e
injustiça. Para a Justiça é a exigência mínima do amor.
Jesus nos ensina a ser bom, a fazer o bem a todos, como Ele
fez. Para reconhecê-lo como Messias, é preciso que o homem esteja aberto. Ora,
nem mesmo os discípulos eram fáceis de se abrir. Jesus não apenas “faz as coisas
bem feitas”, mas Ele abre também o coração para ver o Reino de Deus, que esta
aí, onde se faz a sua vontade e se revela o seu amor. Marcos hoje insiste,
assim, na imposição das mãos, no aplicar a saliva, elevar os olhos, gemer,
dizer “effatá” = abre-te.
Não é fácil abrir o homem para o mistério de Deus. Peçamos,
então, a Deus para que possamos abrimo-nos a Ele, ao misericordioso Jesus,
infundidos pelas graças do Espírito Santos, para nutrirmo-nos com a Palavra e
com a Eucaristia, fortalecendo-nos em nossa caminhada e dispondo-nos a
tornarmos co-responsáveis pela obra de Cristo, como discípulos e missionários.
Meus irmãos, a Segunda
Leitura, retirada da Carta de São Tiago (2,1-5), coloca-nos diante da opção
de Jesus: a opção preferencial pelos mais pobres. Deus não conhece acepção de
pessoas, nem se deixa comprar, nem despreza o mais humilde e pobre. Ao
contrário, a misericórdia e a bondade de Deus são gratuitas, por isso, cabem
melhor em “mãos vazias”.
Quem está repleto das riquezas deste mundo ou de si mesmo
não pode receber a riqueza divina que leva para a contemplação da vida divina.
A fé em Cristo nos ensina a respeitar a todos, particularmente os mais
necessitados, os mais amados e preferidos de Deus.
Deus permite a riqueza, mas condena a sua malversação ou o
uso indevido. Para bem poder dar, o homem sempre deve receber de Deus. Nesse
sentido, subsiste o problema do rico. Se o rico sempre está cheio de si mesmo,
não é mais capaz de receber e aprender de Deus o que é graça e gratuidade. Ele
perde também a capacidade de abrir sua mão e o seu coração. Daí, quem é grande
e poderoso deve se tornar pobre e criança, frágil e carente, ou seja,
dependente totalmente de Deus.
Jesus Cristo nunca discriminou nem nunca marginalizou
ninguém, absolutamente ninguém. Jesus sentou-se à mesa com os desclassificados,
acolheu os doentes, estendeu a mão aos leprosos, chamou um publicano para fazer
parte do seu grupo, teve gestos de bondade e de misericórdia para com os
pecadores, disse que os pobres eram os filhos queridos de Deus, amou aqueles
que a sociedade religiosa do tempo considerava amaldiçoados e condenados…
A comunidade cristã é hoje, no meio do mundo, o rosto de
Nosso Senhor Jesus Cristo para os homens; por isso, não faz sentido qualquer
acepção de pessoas na comunidade cristã. Naturalmente, isto é uma evidência que
ninguém contesta… Mas, na prática, todos são acolhidos na nossa comunidade
cristã com respeito e amor? Porque vemos acontecer hoje tanta perseguição?
Porque os que se dizem os melhores, e de fato não os são, querem tripudiar
naqueles que tem as suas dificuldades? Tratamos com a mesma delicadeza e com o
mesmo respeito quem é rico e quem é pobre, quem tem uma posição social
relevante e quem a não tem, quem tem um título universitário e quem é analfabeto,
quem tem um comportamento religiosamente correto e quem tem um estilo de vida
que não se coaduna com as nossas perspectivas, quem se dá bem com o padre e
quem tem uma atitude crítica diante de certas opções dos responsáveis da
comunidade? Não esqueçamos: a comunidade cristã é chamada a testemunhar o amor,
a bondade, a misericórdia, a tolerância de Cristo para com todos os irmãos, sem
exceção.
Estimados irmãos, pode existir doença, sofrimento, privação,
mas não é a última palavra. Somos chamados a participar com Deus nos
aperfeiçoamentos da criação. Assim, o povo saúda a chegada de Messias,
exclamando: “tudo ele tem feito bem!”.
Que possamos, então, todos repetir com Jesus na nova
Evangelização: “tudo estamos fazendo bem, em nome de Jesus, que nos chama a
ouvir e anunciar o Seu reino de bem-aventurança”. Amém!
Homilia Dominical
preparada por: Padre Wagner Augusto Portugal
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